PSIQUIATRIA METABÓLICA: COMO A DIETA MUDA A MENTE – Episódio #972

Sou André Burgos, do Atletas LowCarb, e neste episódio recebemos o psiquiatra Dr. Régis Chachamovich (@psiquiatriametabolica) para uma conversa profunda sobre um tema que vem crescendo na prática clínica: a psiquiatria metabólica. Neste episódio eu reúno os pontos principais do nosso diálogo, explico conceitos, respondo dúvidas frequentes e trago recomendações práticas para quem busca alternativas seguras e baseadas em evidência para melhorar saúde mental através do metabolismo.
Podcast

O que é psiquiatria metabólica?
A psiquiatria metabólica é, na prática, uma nova maneira de entender e tratar transtornos mentais. Não se trata apenas de trocar um remédio por outro: é uma mudança de paradigma. Em vez de assumir que o problema está primariamente nos neurotransmissores (serotonina, dopamina, etc.), a psiquiatria metabólica olha para a função metabólica do cérebro — como ele produz energia, como responde à insulina, ao estresse inflamatório e aos nutrientes que chegam pelo alimento.

Resumo: é uma teoria sobre a raiz orgânica de muitas doenças psiquiátricas e, ao mesmo tempo, traduz-se em intervenções (especialmente dietéticas) que atuam nessa raiz:
- origem: disfunções do metabolismo cerebral;
- tratamento: intervenção metabólica (dieta, sono, exercício, micronutrientes);
- objetivo: tratar condições refratárias ou reduzir medicação quando possível.

Por que esse movimento cresce agora?
Desde os anos 80 a dieta das populações mudou drasticamente — mais refeições por dia, mais alimentos processados, mais óleos refinados e açúcares. Essas alterações coincidem com o aumento de doenças metabólicas (obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares) e também com o aumento de transtornos psiquiátricos. Para muitos clínicos, a associação ficou óbvia: a saúde do corpo e a saúde da mente caminham juntas.
Mecanismos: como a comida altera o cérebro
Na live discutimos três grandes vias pelas quais a dieta prejudica (ou melhora) a saúde mental:
- Circuito de recompensa e ‘dependência’ alimentar
Alimentos ultraprocessados e hiperpalatáveis disparam o circuito de recompensa (dopamina). Isso pode levar a perda de controle, compulsão e aumento de ansiedade quando a pessoa tenta reduzir esse consumo. - Montanha-russa de glicose e insulina
Refeições frequentes e ricas em carboidratos refinados causam picos e quedas de glicose/insulina — o que aciona cortisol e adrenalina, podendo provocar sensação de ansiedade, irritabilidade e instabilidade do humor. - Insulinorresistência e inflamação crônica
Ao longo do tempo, padrões alimentares inadequados geram resistência à insulina e inflamação sistêmica e neuroinflamação — mecanismos fortemente associados a depressão, transtornos de ansiedade e declínio cognitivo.


Low-carb, cetogênica e carnívora: qual escolher?
Não existe resposta universal — a prática clínica mostra: depende da pessoa. Em muitos casos, uma dieta low-carb bem formulada já traz grandes melhoras em ansiedade, depressão e TDAH. Em outros, especialmente quando há neuroinflamação mais intensa, a dieta cetogênica (objetivando estado de cetose nutricional) pode oferecer maior benefício anti-inflamatório.

Alguns pontos práticos:
- Cetose é definida biologicamente (geralmente >0,5 mmol/L de corpos cetônicos) — medir é a forma de saber se a dieta é realmente cetogênica.
- Nem toda dieta carnívora é cetogênica; tudo depende da composição (proteína, gordura, carboidrato).
- Para muitas pessoas iniciantes, a carnívora pode ser uma forma simples de começar e reduzir triggers alimentares, mas não é obrigatória.
GKI e marcadores: influenciam o tratamento psiquiátrico?
O índice Glicose-Cetona (GKI) tem sido estudado em áreas como oncologia neurológica, mas, em psiquiatria, o que parece mais determinante é simplesmente atingir e manter um estado de cetose bem formulado. Em resumo: foco prioritário na cetose adequada e na qualidade nutricional da dieta.

Transtornos alimentares: bulimia, binge e anorexia
Para bulimia e transtorno de compulsão alimentar, há relatos de casos impressionantes com redução completa de episódios ao adotar dieta cetogênica — provavelmente devido ao aumento marcado da saciedade. Já a anorexia é um capítulo delicado: tradicionalmente considerada uma contraindicação relativa para cetose pela preocupação com perda de peso. Contudo, há relatos e estudos iniciais mostrando melhora de padrões de pensamento e até ganho de peso sob acompanhamento rigoroso. Tudo exige monitoramento multidisciplinar.

Omega-6, omega-3 e inflamação
Outro ponto essencial: a qualidade das gorduras. Nossa dieta moderna alterou a relação omega-6/omega-3 de algo como 1–2:1 para algo entre 20:1 e, em alguns estudos, até 50:1. Isso favorece um estado pró-inflamatório crônico.
Consequências:
- inflamação sistêmica e neuroinflamação;
- piora de condições psiquiátricas;
- importância de reduzir óleos refinados (soja, milho, canola industrial) e aumentar fontes de omega-3 (peixes, alguns alimentos de origem animal, ou suplementação quando indicado).

Bariátrica, colecistectomia e possibilidade de dieta cetogênica
Dois mitos foram esclarecidos: ausência de vesícula biliar não contraindica a dieta cetogênica; pode haver necessidade de ajuste na frequência de refeições e na distribuição de gorduras até o organismo adaptar a circulação de bile produzida pelo fígado. Após cirurgia bariátrica, a cetose pode ser não só possível como também muito útil, já que a cirurgia não trata a causa comportamental/metabólica do ganho de peso.


Micronutrientes e suplementos: importância dos B-vitamínicos
Investigar deficiências de vitaminas e minerais é parte essencial da avaliação psiquiátrica. Vitaminas do complexo B (B1, B2, B3, B6, B9, B12) são fundamentais para o funcionamento do sistema nervoso. Suplementos podem ser úteis — mas com critério. Evite polifarmácia indiscriminada de 20–30 suplementos sem justificativa: o acompanhamento deve ser individualizado e baseado em exames.

Interação entre dieta e psicotrópicos
A relação é bidirecional:
- muitos psicotrópicos favorecem ganho de peso e resistência à insulina, dificultando o controle metabólico;
- dieta bem feita frequentemente supera os efeitos metabólicos adversos de medicações e pode permitir redução de doses;
- atenção ao efeito de potenciação: ao iniciar terapia metabólica, alguns efeitos colaterais de medicação podem emergir (sonolência, confusão) — pode ser necessário ajustar doses.

Demência e cetose: o papel dos corpos cetônicos
Em Alzheimer e outras demências existe um déficit energético no cérebro — a capacidade de gerar energia a partir da glicose fica comprometida. Corpos cetônicos representam uma fonte alternativa que o cérebro usa eficientemente. Logo, em fases iniciais da demência, a dieta cetogênica pode proporcionar ganhos clínicos relevantes.


Abordagem prática: quebrando o ciclo vicioso
Muitas pessoas chegam ao consultório presas num ciclo: desânimo → comer mal → piora do sono → menos exercício → piora do humor. É difícil mudar tudo ao mesmo tempo. Minha recomendação (como André e com base na prática do Dr. Régis): iniciar pela intervenção que terá maior impacto imediato na sensação da pessoa — frequentemente a dieta. Um ganho inicial em energia e sono facilita mudanças subsequentes (atividade física, sono, terapias).

Protocolos? Individualize sempre
O termo “protocolo” é sedutor, mas enganoso. Cada pessoa é única: diagnóstico, história de vida, comorbidades e preferências influenciam. Existem diretrizes gerais — reduzir carboidratos, priorizar gorduras saudáveis, avaliar micronutrientes —, mas o plano deve ser individualizado e compartilhado entre paciente e equipe (psiquiatra, nutricionista, terapeuta).
Formação: como entrar na área
Para profissionais interessados, a recomendação é buscar cursos estruturados e mentorias em psiquiatria metabólica. Quando Dr. Régis começou, as informações estavam dispersas; hoje já existem programas de treinamento, e ele está desenvolvendo um mentoring em português para preencher essa lacuna. Atualização contínua é essencial.

Conclusão — esperança e cuidado
A psiquiatria metabólica não é uma solução mágica, mas abre caminhos que há pouco tempo eram impensáveis. Dieta, sono, movimento e micronutrientes podem transformar a trajetória de pessoas com depressão resistente, transtornos de ansiedade, TDAH, transtornos alimentares e até formas iniciais de demência.
“O tratamento para dependência é abstinência; a dieta que escolhemos para romper o ciclo influencia a facilidade da mudança.” — Dr. Régis Chachamovich
Se você está buscando alternativas, procure profissionais qualificados (psiquiatra e nutricionista familiarizados com metabolismo) e lembre-se: mudanças significativas pedem acompanhamento multidisciplinar. Se quiser continuar acompanhando esse tema, siga o Atletas LowCarb e o Dr. Régis (@psiquiatriametabolica) para estudos de caso, atualizações científicas e orientações práticas.
